domingo, 29 de dezembro de 2013

Análise formalista e estruturalista do poema “Teresa” de Manuel Bandeira

Por Danielle Marinho




Resumo: o trabalho realiza um estudo sobre o poema “Teresa”, de Manuel Bandeira, a partir de conhecimentos sobre as teorias literárias formalista e estruturalista. Assim, no desenvolvimento desta análise, são abordados aspectos formais e estruturais, tais como o ritmo, a métrica, a seleção vocabular e a distribuição dos versos em estrofes, e, ainda, é feita uma interpretação do poema para a compreensão da mensagem poética. 

(1) A primeira vez que vi Teresa 

(2) Achei que ela tinha pernas estúpidas 

(3) Achei também que a cara parecia uma perna 

(4) Quando vi Teresa de novo 

(5) Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo 

(6) (Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse) 

(7) Da terceira vez não vi mais nada 

(8) Os céus se misturaram com a terra 

(9) E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas. 

De início, uma análise quanto aos aspectos formais: o poema é composto por nove versos distribuídos em três tercetos, sem métrica e sem rimas. Pode-se falar em rimas internas pela aliteração existente nas estrofes: na primeira, pela repetição do “i” – vi, tinha, parecia; na segunda, pelo “o” fechado – nOvo, cOrpo; na terceira, por meio do “a” aberto – nAda, misturAram, Águas. O esquema rítmico é variado, mas percebe-se um padrão: os primeiros versos de cada estrofe (1, 4 e 7) possuem força na entoação da 3ª e 5ª sílabas, e os versos 1 e 7 possuem ainda entoação na 7ª e 9ª sílabas, sendo, pois, idênticos quanto à métrica e ao ritmo, e diferindo do verso 4 por este ter 8 sílabas e entoação silábica 3-5-8. 

Conforme a regra estruturalista de imanência, a qual analisa o sistema por si e sem a necessidade de elementos externos, nota-se que o poema retrata três visões do eu-lírico em relação a uma mulher, situadas em três tempos distintos; daí o porquê de o poema ser estruturado em três estrofes, cada uma representando um tempo (regra de integração: continuidade lógica no desenvolvimento de um sintagma). Essa marcação temporal dá-se através do primeiro verso de cada estrofe; os versos 1, 4 e 7 são, pois, elementos de função equivalente, que se relacionam segundo a regra de compatibilidade: eles representam os diferentes momentos em que o eu-lírico viu Teresa. 

O primeiro encontro, a “vez primeira”, é bastante fria, inexpressiva, e Teresa não provoca no eu-lírico nenhum sentimento amoroso; isso é demonstrado pela escolha das imagens “cara” e “perna” como as partes observadas do corpo de Teresa e pelo adjetivo “estúpidas”. Merece destaque, pois, a pertinência desses elementos na transmissão da falta de encanto do eu-lírico em relação à Teresa e seu corpo. 

O segundo encontro é um pouco mais intenso, já que o eu-lírico prefere observar os olhos da mulher; a máscara “estúpida” de Teresa é posta de lado pelo autor; ainda assim, não se estabelece nenhuma relação amorosa entre os dois, pois ele produz a imagem de olhos velhos, no sexto verso, com valor depreciativo. A escolha da imagem dos olhos é pertinente para se demonstrar a ocorrência de uma relação um pouco mais profunda entre ambos, já que o contato do eu-lírico com os olhos de Teresa revela um maior grau de intimidade. 

Da terceira vez, o eu-lírico explicita a sua condição de apaixonado: nos versos 8 e 9, ele usa um lirismo sublime através da fusão entre o material (terra, águas) e o espiritual (céus, Deus) para retratar o que sentiu ao ver Teresa naquele momento, uma descoberta de sensações maravilhosas. A diferença entre as linguagens utilizadas nas estrofes está em conformidade com o sentimento despertado no eu-lírico: nas duas primeiras, como não houve visão apaixonada, o encontro entre os dois foi banal, e a linguagem é prosaica, cotidiana; na terceira estrofe, pela paixão despertada, a linguagem é poética. A mudança de linguagem é pertinente com a mudança na percepção do eu-lírico acerca de Teresa e o uso de uma linguagem poética é necessário para a construção do significado do poema. 

Conclui-se, pois, que o segundo e terceiro versos de cada estrofe são a descrição dos diferentes sentimentos experimentados pelo eu-lírico no contato com Teresa. Esses versos (2 e 3, 5 e 6, 8 e 9) são termos de três sistemas distintos (as estrofes) e assumem a mesma função no sintagma (o poema); relacionam-se, então, conforme a regra de compatibilidade. Outra possível aplicação dessa regra é a separação de “pernas”, “cara”, “olhos” e “não vi mais nada” em sistemas distintos e pertencentes ao mesmo sintagma, a parte do corpo de Teresa que é observada. 

Pela regra de variações diacrônicas pode-se estabelecer outra relação: o primeiro verso de cada estrofe/sistema constitui uma forma diferente dos outros dois versos da mesma estrofe. Isso porque esses versos (1, 4 e 7) marcam o tempo do sistema a que pertencem, enquanto os outros versos expressam a sensação vivida pelo eu-lírico no sistema a que pertencem (exemplo: no primeiro sistema/estrofe, o verso 1 difere em função dos versos 2 e 3). 

Considerações válidas do poema podem ser retiradas segundo a regra estruturalista de comutação. Por exemplo, “Teresa”, título do poema e nome da mulher que o inspirou, pode ser alterado por outro nome feminino, desde que este seja paroxítono, a fim de se manter a continuidade do ritmo nos versos 1 e 4 [1] – o ritmo é fator construtivo e fundamental do verso, conforme defendia Eikhenbaum em suas teorias do método formal. Ainda estudando a comutação, é cabível a afirmação de que a troca do termo “perna”, na primeira estrofe, por outro termo contrastante com “cara”, isto é, contrastante com os elementos faciais, não causaria grandes mudanças ao significado pretendido pelo poeta. Se o termo “perna” fosse alterado por tornozelo, por exemplo, o contraste entre elementos corporais seria mantido, e, também, o sentido da estrofe (não-atração física). A regra de comutação explica que a mensagem transmitida permanece inalterada, apesar da seleção e troca de itens, porque é preservada a estrutura de relação entre os itens, responsável pelo sentido. 

O sexto verso em si mesmo é interessante: ele é a explicação da perturbação sentida pelo eu-lírico nos dois versos anteriores; a explicação longa (é o verso mais longo do poema) é pertinente a fim de se expressar esse estado de confusão experimentado por ele; ele está escrito entre parênteses, possivelmente como forma de continuar evitando o uso de algum conectivo entre os versos, o qual seria necessário para iniciar essa explicação. 

O verso que inicia o último terceto do poema possui uma inovação em relação ao primeiro e quarto versos. Nestes, o resultado da ação de ver Teresa não está expresso, sendo relatado posteriormente. Já no sétimo verso, o poeta antecipa a perturbação experimentada naquela vez, ao afirmar que “não vi mais nada”. Essa característica é fundamental para o significado da terceira estrofe, que é expressar algo também novo para o eu-lírico, um sentimento intenso, grandioso e incontrolável (Os céus se misturaram com a terra / E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas). 

A manifestação poética em “Teresa” ocorre principalmente na associação inusitada entre os termos. A poesia é percebida em elementos prosaicos capazes de ativar uma cadeia de significações: é a singularização, a quebra do automatismo perceptivo. Esse é um aspecto válido tanto para a análise formalista quanto para a estruturalista. 

Uma observação de poemas direcionada por teorias literárias como a formalista e estruturalista, teorias consideradas nesse estudo, é válida e interessante. Nesse tipo de análise, percebem-se aspectos riquíssimos na construção poética, isto é, no modo como o poeta condensou a poesia e estruturou o poema. Tais aspectos tornam-se ainda mais valiosos, e, portanto, a análise mais fascinante, na obra de um “poeta enorme” como Manuel Bandeira. No poema “Teresa”, Bandeira mescla o prosaico ao sublime, o banal ao poético. Trata-se de uma atitude de desapego ao lirismo tradicional e ao amor romântico. É, pois, a criação de uma poesia do cotidiano: o poeta fala de amor em circunstâncias simples e ironiza a idealização romântica, traçando a modernidade. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 20 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 44.ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
EAGLETON, Terry (2004). Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes.
EIKHENBAUM, B. A Teoria do “Método Formal. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da literatura em suas fontes (2002). 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.


Fonte: Literatura em Foco


[1] Essa observação não é válida se for considerada a intenção de Bandeira, em conformidade com os ideais modernistas de paródias e paráfrases, de fazer uma intertextualidade com o poema romântico “O Adeus de Teresa”, de Castro Alves. Tal fato, porém, é irrelevante para análises formalistas e estruturais, visto que essas analisam a obra em si, e não seu autor ou seu contexto histórico-social.





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