FRANCISCO CARVALHO
a Francisco Carvalho
1927 - 2013
1927 - 2013
O grande poeta cearense FRANCISCO CARVALHO, morreu dia 05 de março de 2013, há exatamente há um ano, hoje dia em que se verifica o transcurso de um ano do seu falecimento, trago para o deleite dos leitores do VERSO LIVRE alguns poemas do festejado acadêmico e ardente bardo.
Sobre FRANCISCO CARVALHO o poeta, ensaísta, editor e tradutor cearense FLORIANO MARTINS disse o que ora reproduzo, para dar a conhecer um pouco do imortal cearense, que ocupou a cadeira de nº 31 da Academia Cearense de letras.
"O poeta cearense Francisco Carvalho (1927 - 2013) é uma das grandes vozes ainda por ser resgatada em nossa tradição lírica. Com uma extensa obra e pautada por uma densidade raramente encontrada entre seus pares, já nos anos 60 publicaria dois livros fundamentais à poesia brasileira, Dimensão das coisas (1966) e Memorial de Orfeu (1969), títulos que foram curiosamente excluídos da edição de seus poemas escolhidos, Memórias do espantalho (2004). Aos dois iniciais se juntam outros de igual relevância poética, tais como Os mortos azuis (1971), Pastoral dos dias maduros (1977) e Barca dos sentidos (1989). A rigor, estes 5 títulos constituem todo um programa estético que ainda não encontrou correspondente voz crítica para um diálogo necessário. Ilhado no Ceará, por opção própria, declarou certa vez que “a literatura produzida no Nordeste, com as devidas ressalvas, não tem a menor repercussão nos grandes centros de efervescência cultural, de onde as elites mercadológicas e intelectuais ditam a moda das roupas e dos poemas”. Ao visitar sua correspondência ou entrevistas à imprensa local (material disperso e sem perspectiva de deixá-lo de ser), sempre nos deliciamos com seus achados críticos, tais como este: “O bom poema não deve ser confundido com uma orgia de palavras eruditas. A poesia pode resultar de palavras banais, dessas coisas que estão à flor da pele do cotidiano. O poema não precisa ficar o tempo todo bolinando a metafísica.”
ESTUDO
Subitamente descobrimos o acaso
na nuvem que passa pelo pássaro
ou no pássaro que soturnamente percorre a nuvem.
De repente aprendemos a flor das coisas
e os seus movimentos na paisagem.
De repente trocamos a imagem pela paisagem
a palmatória pela parábola.
De repente descobrimos que os espelhos nos evitam
que o amanhã pertence aos outros
que da janela somos observados
por super-homens de celulóide.
De repente é o metal do amor que silencia
no coração onde tudo é paisagem.
Subitamente compreendemos
que as palavras envelhecem com os homens
que o amor também envelhece
quando as palavras envelhecem.
De Os Mortos Azuis (1971)
Subitamente descobrimos o acaso
na nuvem que passa pelo pássaro
ou no pássaro que soturnamente percorre a nuvem.
De repente aprendemos a flor das coisas
e os seus movimentos na paisagem.
De repente trocamos a imagem pela paisagem
a palmatória pela parábola.
De repente descobrimos que os espelhos nos evitam
que o amanhã pertence aos outros
que da janela somos observados
por super-homens de celulóide.
De repente é o metal do amor que silencia
no coração onde tudo é paisagem.
Subitamente compreendemos
que as palavras envelhecem com os homens
que o amor também envelhece
quando as palavras envelhecem.
De Os Mortos Azuis (1971)
RETRATO PARA SER VISTO DE LONGE
Sou um ser, o outro é metade
que não sabe de onde veio.
Sou treva, sou claridade.
Solidão partida ao meio
e entre os dois a eternidade.
Sei quem sou, não me conheço.
Parado, estou sempre indo
para um país sem regresso.
Sou fonte e estou me esvaindo,
fluir sem fim nem começo.
Coração partido ao meio,
pulsando em cada metade.
O lirismo do espantalho
a espuma do devaneio.
Entre os dois a eternidade.
De Pastoral dos Dias Maduros (1977)
Sou um ser, o outro é metade
que não sabe de onde veio.
Sou treva, sou claridade.
Solidão partida ao meio
e entre os dois a eternidade.
Sei quem sou, não me conheço.
Parado, estou sempre indo
para um país sem regresso.
Sou fonte e estou me esvaindo,
fluir sem fim nem começo.
Coração partido ao meio,
pulsando em cada metade.
O lirismo do espantalho
a espuma do devaneio.
Entre os dois a eternidade.
De Pastoral dos Dias Maduros (1977)
FINGIMENTO
Não adianta fingir
que o tempo não passou
com os seus pendões vacilantes
de cortejo fúnebre.
Fingir que o rosto não foge
ao sarcasmo dos espelhos.
Que os deuses não zombam
do sorriso trincado dos velhos.
Não adianta fingir
que o tempo não passou
com os seus pendões vacilantes
de cortejo fúnebre.
Fingir que o rosto não foge
ao sarcasmo dos espelhos.
Que os deuses não zombam
do sorriso trincado dos velhos.
Fingir que ainda restam
vestígios da antiga chama.
— Sob o desenho das rugas
só o silêncio nos ama.
HERÓI
Herói não é o que vai irrigar as lavouras
da morte nos campos de batalha.
Não é o que volta das trincheiras minadas
de explosivos com medalhas no peito
mutilações no corpo e na alma.
Herói não semeia tulipas de sangue
ramalhetes de napalm e rosas de átomo.
— Não é o aventureiro que fez xixi na lua.
— Herói é o que vai todas as tardes à padaria
mais próxima buscar o pão ainda morno
para testemunhar o mistério da vida.
RECATO
Guarda o teu poema no fundo de uma gaveta.
Que as traças o devorem sem deixar
o mais débil vestígio de tua humanidade.
O que pensas do amor, da vida e da morte
não interessa a ninguém.
Todos estão demasiadamente distraídos
e preocupados com as precárias
liberdades do corpo e as metamorfoses da alma.
Digam o que disserem os graves e os cínicos
os bêbados e os bastardos
os que te cumprimentam todas as manhãs
com mentirosa cordialidade...
— Guarda o teu poema no fundo de uma gaveta.
só o silêncio nos ama.
HERÓI
Herói não é o que vai irrigar as lavouras
da morte nos campos de batalha.
Não é o que volta das trincheiras minadas
de explosivos com medalhas no peito
mutilações no corpo e na alma.
Herói não semeia tulipas de sangue
ramalhetes de napalm e rosas de átomo.
— Não é o aventureiro que fez xixi na lua.
— Herói é o que vai todas as tardes à padaria
mais próxima buscar o pão ainda morno
para testemunhar o mistério da vida.
RECATO
Guarda o teu poema no fundo de uma gaveta.
Que as traças o devorem sem deixar
o mais débil vestígio de tua humanidade.
O que pensas do amor, da vida e da morte
não interessa a ninguém.
Todos estão demasiadamente distraídos
e preocupados com as precárias
liberdades do corpo e as metamorfoses da alma.
Digam o que disserem os graves e os cínicos
os bêbados e os bastardos
os que te cumprimentam todas as manhãs
com mentirosa cordialidade...
— Guarda o teu poema no fundo de uma gaveta.
Casa de Juvenal galeno em Fortaleza - Ceará |
ARGILA ERÓTICA
8
Um dia percebemos que as amadas se evaporam
no ar como se nunca tivessem existido.
Sombras de pássaros na água
elas emigram para lugares distantes
ou talvez para alguma estrela
dessas que flamejam nos trapézios do céu.
As amadas passam como o vento
são inconstantes como as brisas que derrubam
as folhas mortas de um pomar.
Semelhantes a esses gatos de pelúcia
que nos arranham com seus bigodes de mercúrio
e vão-se lambuzar no pires de leite.
As amadas, quando vão embora,
deixam apenas a memória do perfume
como um punhal cravado em nosso peito.
14
Penso: logo tua chama
incendeia o meu pensamento
logo me entregas
as pálpebras da orquídea submersa
logo o dia amanhece
em todas as conchas do teu dorso
logo os meus olhos
esvaziam o cálice de tua nudez
logo te aproximas
coroada de algas e de espumas.
Penso: logo existes
metamorfose da rosa em meu sangue.
De Centauros Urbanos (2003)
AS CURVAS DE EROS
De repente nos damos conta
de que o rosto
foi comido pela solidão
fera insaciável.
De repente nos debruçamos
sobre o adeus
e os caminhos da infância extraviada.
De repente um desejo
ladra em vão
às matilhas da lenta madureza.
De repente mastigamos
palavras amargas
palavras cujo sumo foi espremido
pelos dedos da morte.
De repente voltamos a acender o fogo
azulado do mito.
De repente a mentira
põe os seus ovos de ouro em nossa algibeira.
De repente o coração
é uma serpente enroscada nas curvas de Eros.
De repente o sexo
é uma palavra sem nexo.
De Rosa dos Eventos (1982)
CALAFRIO
incendeia o meu pensamento
logo me entregas
as pálpebras da orquídea submersa
logo o dia amanhece
em todas as conchas do teu dorso
logo os meus olhos
esvaziam o cálice de tua nudez
logo te aproximas
coroada de algas e de espumas.
Penso: logo existes
metamorfose da rosa em meu sangue.
De Centauros Urbanos (2003)
AS CURVAS DE EROS
De repente nos damos conta
de que o rosto
foi comido pela solidão
fera insaciável.
De repente nos debruçamos
sobre o adeus
e os caminhos da infância extraviada.
De repente um desejo
ladra em vão
às matilhas da lenta madureza.
De repente mastigamos
palavras amargas
palavras cujo sumo foi espremido
pelos dedos da morte.
De repente voltamos a acender o fogo
azulado do mito.
De repente a mentira
põe os seus ovos de ouro em nossa algibeira.
De repente o coração
é uma serpente enroscada nas curvas de Eros.
De repente o sexo
é uma palavra sem nexo.
De Rosa dos Eventos (1982)
CALAFRIO
O amor
é um calafrio
que nos percorre
o corpo
e deságua
na foz
de um secreto rio.
De As Verdes Léguas (1979)
BALADA TRÁGICA
A que se chamava Raimunda morreu na segunda
A que se chamava Vanessa morreu na terça
A que se chamava Marta morreu na quarta
A que se chamava Jacinta morreu na quinta
A que se chamava Violeta morreu na sexta
O que se chamava Bernardo morreu no sábado
O que se chamava Deolindo ressuscitou no domingo.
De Barca dos Sentidos (1989)
ENGENHARIA DO POEMA
Fazer o poema
é estar em conflito
com o sangue que corre
nas veias do mito.
É sair do corpo
e estar de permeio.
O punhal na bainha
do teu devaneio.
Fazer o poema
é estar na palavra.
Como a efígie do morto
na faca amolada.
Fazer o poema
é agarrar o agora
para pô-lo inteiro
dentro da metáfora.
De As Verdes Léguas (1979)
DIALÉTICA DO POEMA
Fazer um poema
não é dizer coisas profundas.
É ver as coisas como as coisas não são.
Fazer um poema não é viajar no espelho.
É ir à procura do rosto do homem
perdido na escuridão.
É descer às raízes do sangue e do mito.
Fazer um poema é estar em conflito
com os dedos da mão.
De O Silêncio é uma Figura Geométrica (2002)
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